Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará! Acredito que seja uma das mais emblemáticas passagens bíblicas. Com rico significado e grande impacto para os cristãos, reflete a libertação, mostra que Jesus é a verdade, é o caminho, é a vida. Carregado com muito simbolismo, essa passagem tem sido empoderada e empobrecida nos discursos de diversos líderes, especialmente muito abordado nos discursos do chefe do Poder Executivo, como temos visto atualmente.
Outras realidades e contextos podem se apropriar também desse trecho bíblico. Um caso pertinente refere-se à valorização dos dados. Um dos grandes escritores do momento, o historiador israelense Yuval Harari trata no seu livro Homo Deus, um capítulo exclusivo para falar sobre a religião dos dados. O dataísmo – termo utilizado para demonstrar o protagonismo dos dados para revelar a realidade – representa a forma mais sofisticada para a tomada de decisões. Partindo da máxima positivista de que contra fatos não há argumentos, pode ser aplicado também para os holofotes que são demonstrados pelos dados.
Para políticos, homens de negócio e consumidores comuns, o dataísmo oferece tecnologias inovadoras, poderes inéditos e imensos. De acordo com o dataísmo, o Dia dos Namorados, a oscilação no mercado de ações e o vírus da dengue são apenas três padrões de dados cujos fluxos podem ser analisados por meio dos mesmos conceitos básicos e das mesmas ferramentas.
Os dataístas acreditam que os humanos não são capazes de lidar com os enormes fluxos de dados. O trabalho do processamento de dados deveria, portanto, ser confiado a algoritmos eletrônicos, cuja a capacidade excede e muito a do cérebro humano. Na prática os dataístas são céticos no que diz respeito ao conhecimento e sabedoria humanos e preferem depositar a sua confiança em megadados e em algoritmos computacionais.
A religião dos dados é pautada na racionalidade limitada. Segundo ela, o homem não se comporta de forma objetivamente racional não porque não queira, mas porque não consegue, suas capacidades cognitivas são bastante limitadas quando comparadas com a complexidade do mundo à sua volta. Os dados apresentam-se como caminho comum e fonte suprema para auxiliar a vida humana e estão presentes em nosso cotidiano de diversas formas, do facebook ao google maps, do uber ao aplicativo que ensina uma criança a ler, de uma simples padaria até a mais complexa indústria.
Entretanto, nem tudo são flores. É questionável que a vida humana possa ser reduzida a fluxo de dados. Sensações, pensamentos, emoções certamente desempenham papel importante na tomada de decisões. O processo de interação que possibilita aos indivíduos adquirirem características próprias do convívio social humano, talvez não permite ser representado em um fluxo de dados. À medida que nos afastamos da visão de mundo antropocêntrica em favor de uma visão de mundo datacêntrica, perderemos o feeling, perderemos a marcante característica que nos diferencia de outros seres vivos que é a capacidade de ter consciência e autonomia de determinar as nossas próprias escolhas.
É notório que o mundo avança com inigualável rapidez e estamos inundados por quantidades impossíveis de dados, de ideias. Precisamos de discernimento para poder se apropriar do grande volume de dados existentes. Como reflexão final, retomo ao Yuval Harari que apresenta três questões-chave sobre a religião dos dados: (i) será que os organismos são apenas algoritmos, e a vida apenas processamento de dados? (ii) o que é mais valioso – a inteligência ou a consciência? (iii) o que vai acontecer à sociedade e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós nos conhecemos?
Augusto Cesar Machado
Professor e Pesquisador
(41)99185-2647
machado.augustocesar@gmail.com
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